“Criei a Zumba para os 90% da população mundial que não querem fazer uma atividade física”, diz Beto Perez

Por Angélica Banhara

 

Beto Perez canta e dança em convenção que reuniu 7500 instrutores de Zumba de mais de 90 países, fim de julho, em Orlando (foto: divulgação)
Beto Perez canta e dança em convenção dos instrutores de Zumba em Orlando (foto: divulgação)

Um bailarino e professor de dança colombiano que queria inspirar as pessoas a dançar. Parece um sonho comum, exceto pelo fato de que esse bailarino é Beto Perez, o criador da Zumba, a maior empresa fitness do mundo. Exercício disfarçado é uma boa definição para a aula que traz uma mistura de ritmos com passos fáceis de acompanhar e que podem ser praticados por pessoas de qualquer idade, peso ou nível de condicionamento, transformando a sala de aula numa pista de dança. Presente em 186 países, as aulas de Zumba são ministradas em mais de 200 mil academias ou estúdios e praticadas por cerca de 15 milhões de pessoas por semana.
Como atinge tanta gente? Beto Perez conta: “Enquanto a grande maioria dos programas fitness é desenvolvida para quem quer malhar – o que representa menos de 10% da população mundial – criei a Zumba pensando em quem não quer fazer uma atividade física. A ideia é que os alunos se sintam numa festa e se exercitem sem perceber”. Bingo!
Quando a Zumba surgiu, em 2001, as aulas usavam basicamente ritmos latinos, como salsa, cumbia, merengue e reggaeton. Atualmente, eles continuam a compor a base da trilha sonora, mas podem ser combinados com outros estilos musicais. No Brasil, axé, funk e sertanejo fazem sucesso. Mas cada país tem autonomia para acrescentar ritmos próprios e oportunidade de compartilhar isso com outros instrutores, como aconteceu na Zumba Instructor Convention, que reuniu 7.500 instrutores de mais de 90 países no fim de julho, em Orlando (EUA). Entre os workshops e aulas com ritmos latinos e hip hop estavam outros com trilha sonora oriental, árabe, havaiana, disco, soul…
Enquanto negócio, a Zumba também não para de crescer. Hoje a marca oferece vários programas de aulas (na água, no step, na cadeira, para crianças, para idosos), exercícios em DVD, trilhas sonoras originais, roupas, tênis, videogames, eventos interativos, cruzeiros marítimos, uma revista trimestral sobre estilo de vida e acaba de lançar um shake proteico e uma linha de produtos de beleza. “Sempre há o que fazer. Os desafios não acabam. Estou trabalhando numa serie com a MTV sobre a história da minha vida, quero fazer um filme, um musical para a Broadway…”, conta Perez.
Leia, a seguir, a entrevista com Beto Perez, criador desse império fitness.

Como surgiu a ideia da Zumba?
Beto Perez – Por acaso. Quando eu tinha 16 anos, dava aulas de ginástica aeróbica em Cali, minha cidade natal. Eu tinha uma fita cassete com músicas latinas que havia gravado de uma rádio e, um dia, resolvi usar essas músicas na aula. Comecei a improvisar com meus alunos e eles gostaram, pediram mais. Faziam as aulas felizes porque parecia uma festa, era diferente. Aí passei a dar essa aula com dança e música latina uma vez por semana. O número de alunos foi aumentando e as aulas também: de duas para três, quatro aulas na semana. Dava aulas à noite… A Zumba nasceu assim, meio por acidente. Mas minha base também ajudou: estudei cinco anos em uma escola de dança em Cali e também estudei educação física. O que fiz foi uma combinação do fitness com a dança popular, usando diversos ritmos nas aulas.

E quando começou a crescer?
Beto Perez – Quando virou um fenômeno em Cali, me mudei para a capital, Bogotá. Dava aulas nas academias e também era coreógrafo. Nessa época, Shakira (a cantora) me chamou para trabalhar com ela no seu primeiro álbum, Pies Descalzos. Por conta disso, celebridades começaram a fazer as minhas aulas. Foi quando senti que deveria viajar, que tinha potencial para fazer algo maior. E me mudei para os Estados Unidos no ano 2000. Não foi fácil: fiz quatro viagens aos Estados Unidos sem dinheiro, cheguei a dormir na rua duas noites até conseguir uma oportunidade.

Beto Perez durante entrevista, na Zumba Instructor Convention, em Orlando
Beto Perez durante entrevista, na Zumba Instructor Convention, em Orlando

Qual é a principal diferença entre a Zumba e outros programas fitness pré-coreografados?
Beto Perez – Durante muito tempo, a indústria do fitness ignorou o consumidor comum e focou em criar programas de atividade física para pessoas que queriam de se exercitar. Eu criei a Zumba pensando em quem não gosta de fazer exercícios, o que significa 90% da população mundial. Essas pessoas não sentem vontade de aderir a um programa de atividade física, mas gostam de festa. Esse é o meu público.

Entre os instrutores e os praticantes de Zumba vemos pessoas de todas as idades e de todos os tipos físicos. Isso num momento em que o mundo está muito sedentário. Foi uma intenção sua tirar as pessoas do sedentarismo?

Beto Perez – Não. Eu me comparo às vezes com o personagem do filme Forrest Gump, que sentiu necessidade de correr, começou a correr e as pessoas começaram a segui-lo. E muitas dessas pessoas mudaram de vida, ficaram mais felizes. Eu comecei a dançar, as pessoas começaram a me seguir e mudaram suas vidas, mas eu não tive uma intenção de fazer isso. Só queria dançar, ensinar as pessoas a dançar e a se divertir. Quando os alunos entravam na minha aula, minha única intenção era que se divertissem. Não era que perdessem peso, por exemplo.

Na convenção dos instrutores dá para perceber que muitos deles vêem a Zumba como um estilo de vida: eles vestem Zumba, tatuam Zumba no corpo e se sentem realmente parte de uma comunidade. Como isso acontece?
Beto Perez – Eu gosto de dançar, mas gosto mais ainda de ensinar a dançar. Tem professores que gostam de se mostrar para os alunos e outros que querem que seus alunos sejam tão bons quanto ou melhores que eles. Eu sou desse grupo: procuro convencer meus instrutores de que eles podem ser melhores do que eu. Acho que essa é a chave do sucesso. Gosto de ser bailarino, mas gosto mais ainda de ser professor.

Quais os três pontos mais importantes sobre a Zumba?
Beto Perez – 1. É diferente das outras aulas. 2. É divertido. 3. A importância da música para as aulas também é um diferencial.

Você diria que a música não é um coadjuvante, mas um dos protagonistas na aula?
Beto Perez – Sim. A música tem papel fundamental no sucesso da Zumba. A indústria do fitness, em geral, não dá a devida importância à música, usa muita coisa  feita em computador – putz, putz, putz (imita o som eletrônico). Nós fazemos a nossa música e, para fazer música boa é preciso dinheiro, criatividade, estar com os melhores. Investimos muito dinheiro nisso: temos dez produtores, ganhadores de Grammy (o maior prêmio da industria musical), trabalhando com a gente, sob minha direção.

Beto Perez e Timbaland (compositor de hip hop e R&B) em estúdio, compondo músicas para a Zumba (foto: divulgação)
Beto Perez e Timbaland (compositor de hip hop e R&B) em estúdio, compondo músicas para a Zumba (foto: divulgação)

As aulas não precisam ter apenas ritmos latinos?
Beto Perez – Não. Usamos uma fusão da música do mundo. Aliás, a fusão é o futuro da música: a fusão de culturas. Você pode fazer música mesclando Olodum com dança do ventre, música baiana com reggaeton (fusão de reggae, hip hop, salsa e música eletrônica), samba com cha cha cha. Eu gosto disso: com os produtores musicais parceiros, que fazem músicas exclusivas para a Zumba, podemos brincar com todas essas combinações. E  somos habitantes do planeta: usar as músicas de outros países nas aulas abre uma uma oportunidade de aprender mais sobre outras culturas enquanto nos divertimos.

A ideia é se exercitar sem perceber?
Beto Perez – As pessoas relacionam atividade física a sofrimento, tortura, dieta, sacrifício. Acredito que com a Zumba rompemos esse esquema. Agora é exercício, diversão, alegria, festa, música.

Para a Zumba, qualquer um pode dançar?
Beto Perez – Sim. Usamos movimentos fáceis, básicos. Sempre que penso minhas aulas, quando estou criando as coreografias, imagino se minha mãe poderia acompanhar.

Qual a diferença da Zumba no Brasil em relação aos outros países latino-americanos?
Beto Perez – A Zumba no Brasil foi um desafio, porque vocês são auto-suficientes do ponto de vista musical. O idioma é diferente. Num primeiro momento me disseram que seria impossível, que no Brasil não gostavam de salsa, de merengue, de reggaeton. Diziam que para o reggaeton o Brasil tem o axé, para o hip hop tem o funk brasileiro, para a salsa tem o samba. Mas insistimos até que surgiu uma oportunidade de lançarmos a Zumba no Brasil e as pessoas gostaram. Depois fizemos a parceria com a Claudia Leitte (embaixadora oficial da Zumba no Brasil) e, por fim, aconteceu. Porque o brasileiro é divertido, se parece muito com o colombiano no sentido de que gosta de festa. Às vezes não temos dinheiro, mas vamos nos divertir, falta comida, mas vamos dançar… Me identifico muito com o brasileiro, que é muito alegre.

E os próximos passos?
Beto Perez – Eu realizei um sonho que tive aos 16 anos. Mas este é meu trabalho, minha profissão. Sou muito disciplinado e sinto necessidade de criar coisas novas o tempo todo. E os desafios não acabam. Estou fazendo uma serie com a MTV sobre a história da minha vida, quero fazer um filme, um musical para a Broadway…

Beto Perez fala para cerca de 7500 instrutores de Zumba de mais de 90 países em convenção em Orlando (foto: divulgação)
Beto Perez fala para cerca de 7500 instrutores de Zumba de mais de 90 países em convenção em Orlando (foto: divulgação)