Comida é um assunto sem fim. E nunca se falou tanto nesse assunto como nos últimos anos. No momento em que ser saudável é a nova riqueza e que a simplicidade ganha ares de luxo, o evento Food Forum reuniu esta semana, na Casa Fasano, cerca de 450 pessoas – entre empreendedores, empresários, chefs de cozinha, nutricionistas e jornalistas – para discutir tendências, movimentos de mercado e comportamento de consumo no segmento. Empresários e especialistas de peso foram convidados para apresentar cases, ideias e visões para o futuro, entre eles: Alessandra Luglio (nutricionista), Alexandra Forbes (jornalista e cofundadora do Reffetorio Gastromotiva), Carlos Ferreirinha (fundador da Bento Store e presidente da MCF Consultoria), Charles Piriou (diretor da CP&CO e cofundador da Simplesmente), Ailin Aleixo (jornalista e fundadora do portal Gastrolândia), Carla Pernambuco (chef de cozinha e fundadora do Carlota), Danielle Dahoui (empresária, chef e fundadora do Ruella Bistrô) e Rogério Fasano (CEO do grupo Fasano). O formato das palestras foi inspirado no TED, com duração de 20 minutos.
As apresentações reforçaram a ligação entre comida, saúde e sustentabilidade: termos intimamente ligados. Hoje em dia, não podemos falar de um sem abordar o outro, principalmente se a proposta é RE-pensar e RE-fletir sobre alimentação. Listo, a seguir, alguns temas que perpassaram as 13 palestras e se reafirmam como fortes tendências.
Clean Label: rótulo “limpo”
Reflexo do interesse do consumidor por alimentos mais saudáveis, os produtos “clean label” são formulados priorizando poucos ingredientes simples, naturais, frescos, sem corantes ou conservantes artificiais – tudo isso apresentado de um jeito fácil de entender. Um exemplo: iogurte. Para a sua produção são essencialmente necessários leite fresco e fermento lácteo. Já existem algumas poucas opções “clean” no mercado, em contraposição a vários produtos com mais de dez ingredientes listados no rótulo, alguns deles impronunciáveis. Produzir esse tipo de alimento “clean” é mais complicado do que parece: exige cuidado na seleção dos ingredientes e da tecnologia de fabricação mais adequados para a obtenção de alimentos de qualidade e seguros, ou seja, livre de contaminações. Algumas marcas que são referência nesse segmento apresentaram seus cases no Food Forum.
Nutrição consciente: comer de forma responsável
De onde vem a minha comida? Qual o impacto ambiental das minhas escolhas à mesa? “Não existem pessoas saudáveis em um planeta doente”, diz a nutricionista Alessandra Luglio, palestrante no fórum. Nutrição consciente significa sair da zona de conforto e repensar vários pontos ligados à nossa alimentação no dia a dia. Já imaginou o desgaste da biosfera para trazer um kiwi da Nova Zelândia ao Brasil? Preciso mesmo disso? Por que não priorizar produtos da estação e que são produzidos próximo de onde vivemos?
“Chamamos de ‘pegada ambiental’ os recursos que as atividades humanas consomem, em termos de água, terra e ar, para produzir nossos bens de consumo ou, simplificando, é o tamanho da pegada que deixamos no planeta para atender ao nosso estilo de vida”, diz Alessandra. Outro exemplo: “Quando pensamos na indústria da carne, a pegada ecológica é enorme, já que ela necessita de terra tanto para a pastagem dos animais quanto para o plantio de matéria prima necessária para produzir a ração que os alimenta. A pegada de carbono também é grande, pois é responsável pela emissão de cerca de 18% de todos os gases de efeito estufa, enquanto os meios de transporte são responsáveis por 13%. E, pensando na pegada de água, a indústria da carne é responsável por 60% do consumo de toda a água potável só no Brasil”, complementa a nutricionista. Ela reforça que, para a nossa escolha alimentar, os impactos ambientais são tão importantes quanto o valor nutricional dos alimentos.
Plant Based Diet: mais vegetais e integrais
Não se trata de uma dieta, mas de um estilo de vida que prioriza o consumo de legumes, verduras, leguminosas, grãos e cereais, além de alimentos integrais na sua forma mais natural, não refinada, minimamente processada. E exclui ou reduz o consumo de proteína animal: carnes em geral, produtos lácteos e derivados, ovos ebalimentos altamente refinados, como farinhas brancas e açúcar.
Aqui entra também a sugestão de optar por alimentos mais baratos e mais saudáveis, priorizando os produtos da estação e que são plantados na região em que moramos. Nossa saúde não depende do consumo daquela frutinha desidratada importada que só cresce nas montanhas do Tibete…
Essa nova maneira de pensar a alimentação considera e valoriza uma redução da cadeia de fornecimento. “Quanto menos pessoas e etapas intermediárias estiverem envolvidas no fornecimento de alimentos, melhor. Dessa forma, aumentamos a economia rural, criamos novas formas de vender e divulgar produtos locais e atraímos novos tipos de clientes”, defende Alessandra Luglio.
Trata-se de um resgate da feira que reforça a conexão entre o campo e a mesa, que estava pra lá de desgastada. E a nossa saúde agradece, já que um cardápio rico em legumes e frutas monta uma defesa contra as Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (DCNT), como diabetes, problemas cardiovasculares, hipertensão, obesidade e diversos tipos de câncer. Os números atuais são assustadores e exigem medidas urgentes. Segundo Alessandra Luglio,
- 52,5% da população brasileira está com sobrepeso
- 8,3 milhões de pessoas que morrem de câncer por ano (1/3 dos casos são evitáveis)
- As Doenças Crônicas Não-Transmissíveis são causas de 70% das mortes.
Repensar o ato de comer
Comer é mais do que ingerir nutrientes; comida é mais do que um conjunto de propriedades nutricionais. E o objetivo de comer também vai além de construir um abdômen seco e trincado. Comer é prazer, é nutrir, é emoção, envolve socialização. Por que restringir tanto algo tão completo? Nas palestras, o pano de fundo é o resgate da simplicidade. Cozinhar sua própria refeição sempre que possível, apreciar pratos simples e alimentos feitos com poucos ingredientes, de qualidade, de preferência orgânicos. Menos é mais: o convite é redescobrir os sabores vindos da natureza.
Reutilizar: não ao desperdício
“A palavra reutilização é uma das mais importantes quando pesamos em alimentação sustentável. O desperdício e a perda de alimentos são imensos no mundo inteiro e nessa situação escondem-se muitas oportunidades de negócios. Soluções que vão desde a doação para instituições de caridade até utilização das sobras para fabricação de combustível estão sendo pensadas e colocadas em prática”, conta Alessandra Luglio. Enquanto 1/3 dos alimentos produzidos no mundo é desperdiçado, milhões de pessoas passam fome todos os dias.
O Refettorio Gastromotiva foi o exemplo de iniciativa apresentado no Food Forum para reverter essa situação. Trata-se de um restaurante-escola criado no Rio de Janeiro durante os jogos olímpicos que serve jantares gratuitos para a população carente. A iniciativa surgiu dos chefs Massimo Bottura (Food for Soul), David Hertz (Gastromotiva, um movimento de gastronomia social) e da jornalista Alexandra Forbes para contribuir na luta contra o desperdício de alimentos, má nutrição e exclusão social. No espaço, chefs convidados e jovens talentos cozinham com ingredientes excedentes doados. O formato é possível de ser replicado em qualquer lugar.
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“Cada vez mais pessoas e organizações estão percebendo a importância de pensar e colocar em prática ações que garantam que as próximas gerações tenham um planeta mais saudável e tenham condições de viver mais saudáveis, felizes e produtivas”, diz Charles Piriou, diretor da CP&Co Consultoria, co-fundador da Simplesmente e idealizador do Food Forum. “E o conhecimento é a arma mais importante para moldar uma sociedade mais sustentável”, completa.
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Já que estamos falando de tendências, finalizo com a frase do palestrante Carlos Ferreirinha, um dos maiores especialistas em mercado de luxo no Brasil, fundador da Bento Store (aquela loja conceito de mobile food, com marmitas e garrafinhas que viraram objeto de desejo) e presidente da MCF Consultoria:
“Nós éramos vistos pelo que vestíamos e, agora, somos vistos pelo que comemos”.